quarta-feira, 10 de junho de 2009

Da série: de onde tudo como começou (trecho da obra ainda sem nome)




"Um óculos plainava aberto sobre a mesa. Parecia estar em estado de permanente repouso. Por detrás de suas grossas lentes, a luz entrava radiante, esparramando-se sobre as camadas gordurosas de alguma impressão digital deixada a relento. Mais parecia uma janela aberta para paisagens encurvadas, com as cortinas a bater nos cantos, sussurantes quase. Era a parte mais sugestiva naquele todo cor de café,por que indicava,não resumia nada a nada. Aquela gordura inoculada parecia fraterna àquelas vibrações das batatas das pernas ou mesmo aos pântanos empapados das mãos que, naquele instante, estavam demasiadamente gélidas, coadjuvantes de algum cenário pouco decifrável.
Por que haveriam de estar ao mesmo tempo tão côncavas e tão sufocantes sobre a boca? Suas ameixas pareciam anestesiadas por algo que sabe-se lá de onde vinha.

Mistério.

- Senhor, a ficha.
- Ah...perdão. Aqui está. Muito obrigado - disse em tom aprumado, porém quase gemido.

As mãos grudam na mesa, deixando uma marca significativa de umidade. O canto da boca torce um pouco para o lado, como se herdasse um tique nervoso. Logo, os lábios aparentam repintados por algum brilho semelhante às pinturas de Van Halley e Velásquez, num verniz desalinhado pelas reentrâncias próximas.

Após um longo bufar nas narinas, as pernas se entrelaçam irrequietas permitindo que as mãos desçam às calças, umedecendo-as sutilmente.

Simultaneamente, as ameixas tomam forma de um farol suspenso numa ilha revisitada. Ali, escorrem segundos da mais pura alucinação, onde o presente é sobreposto aos arreios de seu próprio incognoscível até o repentino desabamento de si sobre o negrume corolado daquela imensidão perdida. Enquanto isso, a luz continua a concentra-se no mesmo vitral engordurado e as mãos, a roçar seu lodo mais duas vezes sobre o tecido coloridamente pálido daquela vestimenta.Mas eis que, como d'um salto, segura uma das hastes e empurra para o fundo do rosto, tal qual uma gaveta num armário.

Sob o seu nariz, muitos papéis se avolumavam; todos empacotados às centenas e delimitados por uma espécie de armação geometricamente paralela e quase infinita.
Dalí, seu par de amêndoas compromete-se a um percurso pré-determinado ao dar prosseguimento à maratona dos sinaizinhos no papel, não sem antes escusar a companhia incômoda da extremidade de uma ou duas de suas falanges, cujos cristais incrustados na pele expõem tensos contornos irregulares. O percurso nem sempre é legítimo para os dois concorrentes. Ambos seguem seus rumos de condenados à pujança da vida. Dada a partida, o movimento se repete,se repete,....até que o manto da noite se faça presente e dos pés dos corredores,muitos calos.

Tal mergulho direcionado pelo desatar do chicote, faz dos músculos um absoluto meteoro em rota de colisão consigo mesmo.
- Estamos fechando,senhor.
-Ah...é....obri - tosse - , muito obrigado.Estarei saindo.
O corpo irrequieto finalmente se estica a fim de que as ameixas possam libertar-se das amarras que, de tão apertadas, lhe contaminava o ser, deixando lastros em qualquer parte. K. levantava da cadeira, como de um rodopio, quase a se chocar contra a flacidez das paredes.
De longe, era possível observar a locomoção exagerada de seus gestos, como se cada vez mais não lhe bastasse. Sentiu a vanidade das coisas lhe adentrar os poros do corpo, que clamava por ar."

Após "delatar" esta passagem nada interessante que escrevi há alguns anos, tenho preguiça de ler meus garranchos e continuar.
O mais curioso é que quando imagino disso um livro, penso imediatamente na capa. Sei que isto seria um plágio,mas penso em colocar algo parecido com o "M" de Fritz Lang.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Desníveis emoldurados




Num abrir de janelas: o que dizer da delicadeza esfiapada de uma nuvem? Há um dizer nisto? Como anunciar a sua correnteza e o meu deslocamento nela?

Certas nesgas equivalem a tablados abertos, em que nos utilizamos para colocar algo e confraternizarmos nosso silêncio; outras lembram tranças de um velho ranzinza ou talvez as tranças de uma mesa cabeluda. Qual a minha distância neste segundo?

Depois, o desmembramento plástico do que aparenta fixo, apenas para não estar mais ao longo das coisas. É o vento que te carrega, bem sei.

A exposição de seu dorso à luz não é gratuita. Sua pele faz-se dourada pelas bordas, desnivelando trechos por irradiação. Nos segmentos mais desavisados, o conjunto granula-se, como um espelho multifacetado e em cacos. Teu realce desalça o meu alçar à brancura travestida de minhas impossíveis cores e logo fico sem mim. Sua artimanha grega derruba qualquer muro, mesmo sendo azul como o infinito que nele é. Quando tingida, seus átomos revelam o espaço das transparências. Faz-se o traço, o enlaço de uma fita desprende-se. Por cima, diversas cristas de ondas imiscuídas em céus breves e 'aeroplasmáticos'.

E eis que se apresenta a única coisa diária e absoluta. Sob nossas cabeças, silhuetas de ângulos imprecisos e abaulados.

Ora transmutando.

Ora transmudando.

Assim, sucessivamente, isto vai se interpondo nos meus olhos sua projeção mais cínica.
Brinca imitando um Vermeer;outras, os cubistas.
É, a arte é feita de papel céu e argamassa. Sempre soube - com exceção de que nas altitudes, ela realiza-se inchando pelo meio, enquanto nós testemunhamos apenas suas travessias.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A alegoria de uma fissura



Black Sun over Paris, 1952
[Marc Chagall]



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Beleza: rainha destronada dos corações violados, quem és tu? Tu que durante o dia rufla serena, na tua distância tão ímpar e solitária, por entre os penhascos de que o mundo se faz, sem encontrar vez alguma. Perdida, sua finura invade os tecidos mais grossos e mais consistentes, como uma navalha atenta, fazendo rolar por entre os pés os mais tênues novelos. Tu que estás sempre a se re-fazer para as trocas das máscaras, num subir e descer de escadas ad infinitum. Isenta de fechaduras e cadeados, vives perambulando perante as selvas humanas, afugentada pelo invólucro das coisas que lhe negam a permanência e a estabilidade, num flanar vagabundo, errante. Tu que emerge por entre as frestas de uma janela, numa tarde calma e sonolenta, decalcando marcas numa parede vazia de tão branca. Tu, disforme e assimétrica, marejada senão por um acento.

E então anunciam o seu desfecho: “Irás morrer”, cansados de tanto deslumbre e irradiação miserável. Ela abnega, posicionando o dedo em riste ao horizonte, como se dissesse: “Lá está minha fronteira”. 

Estremecimento.

Entre o céu e o mar, sua sutura desfaz-se profunda, num gesto largo de adeus. Agonizada, gritam as mãos ao alto, tortas, cobertas de bolhas, num lento desbote da urdidura, chamuscada até as pontas. As duas abas do horizonte se fecham. É noite e nada pode se visto. Algo imenso escorre por trás da finitude das coisas e faz-se o mistério duas vezes. Lá está ela tremeluzindo por debaixo de minhas pestanas. Carrego-a comigo sob os etcéteras de algumas penumbras. E no instante exato das tramitações no horizonte, vôo junto ao Fá de um recomeço.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Espectro do asfalto





Noite: selada, inviolável na cadência que me oculta, o nada exposto sob estrias luminosas. Luzes modernas - sinais, sons, passagens abertas artificialmente para a matéria passar. Sentidos alienados,adoentados em alguma superficialidade indecorosa. Aparatos citadinos emoldurados enquanto ilusões decompostas dia após dia. A melancolia após notícias do falecimento de sua irmã (a nostalgia). O que dizer deste abandono? Sentir,apenas. Nada dizer ou pensar. Ficar lá recebendo a descarga toda da vida destemperada, sem adular ninguém - sendo o escorrer que me ocorre da luz por sobre o paralelepípedo, deslizando,deslizando, até o gotejo cansado chegar e tudo terminar.

Um começar




Não acredito. Não...isto só pode ser mais uma brincadeira minha. Que contra-senso!
Jamais imaginaria que um dia conseguisse a proeza mais inútil e moderna de nossos tempos: fundar um blog. E para que? Ora, para nada! Que mais poderia ser? Não sei expor coisas relevantes, nem ao menos reflexões interessantes e bem elaboradas. Simplesmente torrarei meu tempo aqui com inutilidades mais fúteis. Poderia estar guardando numa folha de papel ou num caderninho minúsculo ou, quem sabe, lendo um livro semi-despedaçado;mas,não!! Exponencio a errância da vida e de mim, mais uma vez. Deixo de conservar minhas vergonhas só a mim.

Mas parece-me que só assim,ao menos, supero a futilidade ao compreendê-la ou ao sentir-me compreendido nela. Entrego-me à divagação, à escrita barata e facilmente copiável. Troco uma parte de meu caderninho inútil por um blog inútil, o que acarretará em duas grandes diferenças: traçarei menos garranchos sobre o papel branco,deixando-o na alvura de sempre, e farei destas anotações algo público, disponível aos olhos de todos os curiosos que vivem à procura de coisas estranhas,propriamente humanas, no dia-a-dia. Faço-me em mais uma página do mundo eletrônico;virtualizo a minha vida. Algo nada emocionante, isento de cores,nitidez ou deslumbre. Sem talento, decerto.

Não gostei desta minha iniciativa em definitivo. Para que levar meus dilúvios insignificantes aos demais? Preferiria morrer satisfeito com minhas reflexões retidas só a mim e a mais ninguém. Esta extrema retenção pode aparentar alguém orgulhoso por suas anotações;ledo engano. Sequer leio o que escrevo. Componho algumas elucubrações à partir de alguma legítima inspiração, tentando captar algo que nunca está claro dentro de mim para logo a seguir desertar. Não sei o que faço direito. Tento apoiar as mãos sob as pedras das palavras e elas sempre traem... Nunca tentei pintar ou reproduzir de outro modo estas sensações,contudo creio que daria na mesma. Não ficaria bom.Talvez o lodo esteja nas minhas mãos, sei lá...
E quem sabe realmente o que faz hoje em dia? Paulo Coelho deve saber alguma coisa, já que ele arrecada milhões e milhões....

Desconheço o meu jeito torto ainda. É o que busco saber,nada mais que isto. Escrevo não para ser lido,mas para me fazer comunicável. E como é difícil!!

Enfim, talvez nem leve a sério esta ideia, vítima dos excessos e das intemperanças. Pensarei: "Ah, esta hora eu perdi tentando focar o nada da vida num blog qualquer". Será que alguém ainda terá a audácia insana de gostar? Espero que não, pois isto representará mais uma vergonha para mim. Significará que elas estão perdendo seu tempo aqui ao invés de realizar leituras decentes numa Clarice, Breyner, Pessoa, Camus, Proust,Melville,Borges, Kafka, Hesse,Mann, Dostoiesvki, Tolstoi, etc, etc, etc, ou então em assistir a vários exímios filmes clássicos disponíveis por aí,que sugerem sempre uma boa reflexão filosófica, e também algumas pinturas inimagináveis à superfície de nossos olhos, num Goya, Rembrandt, Grünewald, Redon, Bavcar,etc,etc,etc - fora os Rodin´s e Ibsen´s da vida (para os mais preguiçosos ou exploradores -dependendo do enfoque-, ponham um sonzinho na caixa e a cabeça à deriva). Um elogio qualquer poderá incitar a minha pessoa a largá-los em prol da continuação do blog, isto é, do prosseguimento de novos dizeres vazios e nulos, o que é um absurdo.

Se, por algum acaso realmente obscuro, algum fragmento meu serviu como ponto luminoso de alguma coisa, vão escrever algo às pressas! Deixe suas palavras falarem algo; talvez elas tenham uma sonoridade melhor do que na minha horta.