Divagações sobre "Mad Rush" de Philip Glass.
Interpretação: Valentina Lisitsa
A suspensão do mundo
aqui por fora arde
e está seco:
é o reino do pó e do
sol,
enquanto
no interior do corpo
se ouve o correr do
sangue,
o contínuo deslizar
dos fluidos.
cá dentro faz sombra:
é como em casa
quando se chega,
e os refrescos
florescem -
nos centros das
mesas,
como as jarras
garridas
nos quadros de Matisse,
com as persianas
entreabertas para a
rua.
mas aqui fora as
pedras são rugosas,
- enquanto por dentro
a eternidade
prossegue
sem asperezas.
os homens suam
com orgulho
de manipularem o
mundo;
enquanto por dentro o
corpo
é feminino, sente-se
a si próprio
na sua intimidade
receptiva.
é nesse jogo de
contrastes
e complementaridades
que se tece o nosso
dia-a-dia.
mas a beleza das
pedras
está precisamente em
serem
presenças mudas.
e a felicidade desta
areia, o facto dela ser
tão intocada, que um
simples passo
lhe deixa um rastro
para a eternidade.
indecidibilidade do
mundo,
suspensão do sentido
resistindo às pressas
do corpo
e das perguntas
insistentes."
Vítor Oliveira Jorge in "A Suspensão do Mundo" (2003)
Prefácio de Isabel
Pires de Lima
editora Ausência