domingo, 7 de outubro de 2012

Cambalhota ou a capacidade de se entortar direito

  Seated Figure (1946)
[Francis Bacon]

"Señora: en esta historia nada pasa. Lo mismo sucede en la vida, que si algún día ocurre algo es tan inverosímil y absurdo que preferiríamos no hubiese pasado"
Luís Cernuda in El viento de la colina apud Obras completas, Murcia, Siruela,1994. p. 268.



Sozinho, o artista configurava os remendos do palco. Pequeno movimento nas mãos baixas ajeitava o que tinha à disposição: um papel branco e uma caneta hidrocor. Como uma sutil sinfonia, ele segurava as duas no primeiro fio de se fazer discurso. Delas saíam palavras que só criavam sentido se ordenadas na parede - a partir desse momento também pele do artista. Ao passo que as pernas passam a se altefazer, o corpo (antes baixo) ergue a musculatura, a riscar e fazer riscar as vezes, saltitantes formas. Oscar Wilde. Conceitos sobre modernidade e o tempo do já passou. Questões. O corpo sobe, toma a vida das questões e logo poses surgem, ironias, sublevações que extrapolam a zona do palco, tornando-o cada vez mais mundo, com direito a experiências sensoriais e tudo. A camisa cai. Depois a calça. A cueca, esta atraída pela superfície imantada da parede branca, pele de Moby Dick.
Por fim, passa a ser - na íntegra - puro corpo, apesar de já nem tão puro, o corpo. Os tênis da NIKE não desgrudam, como se quisesse acusar o corpo da culpa que tem. Essa observação do objeto que o doma, fazendo dele animal inconteste, de muitos dentes e nenhuma gravata, vem só minutos depois quando a nudez passa a ser colocada de lado e naturalizada perante a normatização de um corpo que sofre a bulimia da indústria e do consumo recalcante. Está nu, a usar focinheira, numa agonia de causar fim. Lateja o púlpito da carne, o corpo mesmo completo, já nada significante frente ao estarrecedor governo do de fora que o cansa e vai cansando ao som do fazer, como se agulha fosse a se aproximar da pele-nossa, através do olhar, parte que fica sem deixar. Vai enrispecendo o corpo, tornando-o mais vermelho, mais cansaço, mais absurdo de agulha, a ponto de gemer, tremer como em delirium tremens, na consumação sem retorno, o corpo só a obedecer e desgastar o forro do limite.
...
Esquisita a sensação quando algo mesmo apontando ao irresoluto, é fim de ponto e tudo, quando sai pela porta dos fundos e fica. Dá a sensação de que aquilo nunca existiu, que não passou de uma indisposição qualquer, mesmo que acontecesse diariamente, sob o peso do excesso que faz de nós consumidores de um só produto, ta qual mais possível fosse amar uma imagem que um coração manchado de sangue por dentro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário