Pela janela, a casa escuta a fechadura. "É noite", diz, apesar das cortinas estarem abertas. Não há sono e, por isso, abertas estão, como quem ainda sustentasse o pano, à espera de alguma coisa que não sol. Janela, você não nasceu hoje. Em ti caminha algum espelho o qual o mundo anseia em colocar para fazer-te aos próprios olhos, mal sabendo ele que você carrega um também, próprio, indecifrável à reles rotina dos seus atos.
Ele acaba de a visitar, agora. Traz consigo uma pilha de imundices, querendo-a manchada e estragada. Sangra a tua vista, a ponto de nunca mais poder ser outra coisa senão aquilo em que te envolveu. Esse é o medo que a faz tremer as cortinas, pois sem poder correr, condenada está a ser quebrada, a sofrer danos irreversíveis. Dependerá da casa se prestar a colocá-la sobre outra margem - e ela não é boba para te perder de vista...
Janela, sabe esse esfumaçar de vida a qual chama de crepúsculo, a mesma palavra dessa coisa em que te metem? Poeira sobra para levantar paisagens, constelações, idílios longínquos dos quais assisto da ponta de minha janela.Às vezes penso que você também se quede por tais fantasias idiotas, e não tão somente da parte do alívio prático, quando o cristalino te recupera, tirando-a do fundo do esquecimento maldito que o mundo a quer. Nocauteada, você sorri depois, por conseguir transfigurar a realidade, sentindo-se satisfeita por te desfigurarem, dando a ligeira impressão de estar acima daquele que a fere...
A sujeira desce, se junta ao que restou das outras vezes e por lá fica como lembrança a reafirmar presença. O relevo cresce, naturalmente. E a cada vez que o mundo desemboca, o coração bate depressa, o pano levantado. Chega um ponto em que estoura e vaza o passado, escorrendo lacrimal até a mesa de sua cozinha refinada, embebendo o tecido de sua gênese espalmada, soberana, tal qual uma estatueta num dia chuvoso.
Cansada, sem se cansar, caminha a presença da janela às portas do se poder sonhar.
Inspirado num vídeo performático de uma querida pessoa.
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